Aeroporto, malas, expectativas. O coração acelera como se quisesse dar um passo, correr, encurtar a distância, voar e chegar.
O avião gira na pista. Uma reta de luzes surge lentamente na frente. O destino acerta a mira e decola.
A neblina das nuvens é suave, escorrendo pelas asas.
Partimos.
Do alto contemplamos as veias geométricas das ruas. A cidade dorme de luzes acesas.
É estranho, penso, mas amamos mais aquilo que deixamos.
Rabisco palavras que se perdem nas nuvens.
Somos muito mais leves do que pensamos.
O céu é infinito.
Somos muito menores do que imaginamos.
A noite é longa. Acabo dormindo mesmo sem querer tirar os olhos da noite azul.
Acordo e a respiração do avião não pára. Um sopro angustiado dentro dos ouvidos.
Amanhece.
Do alto as nuvens parecem terra, tapete branco além do horizonte. Vontade de correr desesperadamente sobre essa massa branca.
O Voo é um deslizar lento sobre um céu imenso de brancas nuvens.
Deixamos de ser navegadores, desbravadores, viramos apenas passageiros. Gente de passagem. Turistas. Presenças eventuais.
Como
uma migração inevitável, chegamos nos lugares em massa, invadimos todos
as ruas e atrações turísticas, somos os novos bárbaros, piratas,
invasores.
Terra à vista.
Terra conquistada.
Quando
desembarco, comprovo o que imaginava. Turistas. Turistas aos montes em
todo o lugar. De todas as cores, nacionalidades, línguas.
Atropelam-se,
esbarram, sorriem ruidosamente. Olhos e câmeras chocando-se para todos
os lados, caçando horizontes, paisagens. Flashes sobre as paredes,
esquinas e monumentos.
Se olhar com atenção cada cidade são muitas cidades. Descobrimos partes de um todo que nunca se completa.
Damos voltas nas ruas tentando decifrar o labirinto. O olhar de fora aumenta o fascínio desta teia urbana.
Não importa, estrangeiro ou local, somos vítimas da mesma armadilha. Alguns ela devora mais, outros menos.
As
cidades são como pessoas. Precisamos entendê-las e descobrir seus
segredos mais ocultos. Andar pelos pontos mais longínquos, pela gente
mais comum, pelas ruas e cenas de cotidiano que desenham sua geografia,
seu perfil.
Ame a cidade.
Esqueça a cidade. Só assim você vai voltar a amá-la mais ainda. Escute o
som nas ruas, o ritmo do movimento fluindo entre os prédios.
Você se apega, desvenda, e quando vê, ela já faz parte dos seus passos, dos seus olhos, seu caminho.
Viajar é mudar. E quando voltamos, continuamos mudando.
É preciso não esquecer este olhar estrangeiro, de viajante, de quem vê pela primeira vez.
Com vontade e fome de ver mais, ver além.
Um dia voltamos.
Cansados, extenuados, e deprimidos por retornar.
Chegamos e trazemos pedaços de onde passamos. No ar nos olhos, no coração. Cheiros, vontades, Lembranças.
A sensação física se esvai mais rápida, as moléculas vão se desintegrando mas continuamos com a sensação no corpo.
Lá de longe uma cidade ainda vibra no nosso íntimo.
Essa bagagem a gente não desfaz.
Não é para esquecer nunca.
Esta memória geográfica continuará mapeada em nosso cérebro e corpo, um
risco, uma dobra, como um ponto de encontro entre presente e futuro.
Que cidades são essas cuja luz continua a nos atravessar, nos penetrar e grava sua imagem no nosso mais interno ser?
Toda memória será sempre um tempo de passagem.
Como uma viagem que não acaba, que não chegou ao fim.
Viajar é preciso. Viver não é preciso.
@robertotostes